segunda-feira, 24 de junho de 2019

Guga e Vera

O Guga Marques

By LAM

Dia D menos 14.039 – 06/12/73

Igor Leandro Costa Marques, o Guga Marques, nasceu na manhã de 6 de dezembro de 1973, no Hospital Português, vizinho do aristocrático Clube Baiano de Tênis, na cidade do Salvador, Bahia. É o meu filho terceiro filho, único do meu casamento com a Vera[1].

 

Guga e a mamãe.

 

No dia do nascimento ganhou nome e apelido. Eu sei que Guga não tem nada a ver com Igor. Guga é Gustavo, como o Kuerten. Mas, qual o apelido que tem a ver com Igor?

Ao longo da sua fase infantil e adolescência, ele foi chamado, por aqueles que não conheciam o apelido que lhe cravei, de Iguinho, Igorzinho, Guginha, e algumas coisas parecidas, mas nada tão forte quanto Guga. De onde eu concluo que a adoção do apelido ao nascer deu certo: ele sempre foi Igor ou Guga Marques. Simples assim.


 

 

[1] Vera Lúcia Marques de Oliveira, carioca, foi conhecer o carnaval de Salvador de 1972 e nunca mais quis sair de lá.

Mila, irmã da Clara.

 

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Introdução ao Salto 588 e nossas atividades sociais

Introdução ao Salto 588.

As nossas atividades sociais.

 

by LAM

Dia D + 2.191[1]

Saiba mais em https://blog.gugamarques.com.br/

 

 

Eu sou Luiz Alberto Marques, o pai do Guga Marques.

O Guga estava com 39 anos e curtia férias em Lodi/Califórnia quando, em 14 de maio de 2012, ao fazer o seu 588° salto de paraquedas, sofreu um acidente grave.

Graças a uma série de circunstâncias e coincidências positivas, foi rapidamente socorrido e levado para um hospital especializado em traumas na cidade de Sacramento, capital do estado da Califórnia, onde passou dois meses sendo acompanhado por uma ótima equipe médica.

Retornou para Brasília, onde permaneceu internado por mais 30 dias e, posteriormente, foi atendido durante mais 12 meses no excelente Hospital Sarah.

Ele voltou para a vida, mas ficou com sequelas: além de dificuldades de locomoção, um trauma encefálico lhe trouxe perda de memória e dificuldades para se comunicar. Precisou afastar-se do trabalho e foi aposentado pelo INSS.

Os médicos neurologistas que o acompanham ao longo dos passados sete anos – tanto os norte-americanos quanto os brasileiros – nos avisaram que, para ele ter um novo desenvolvimento mental e intelectual, precisará ocupar-se com as tarefas que lhe proporcionem prazer, com muita leitura e pleno convívio social. Ou seja: trabalho, para ele, é terapia.

Para atender à primeira ocupação, Luiz Gabriel Marques, meu filho caçula, criou uma pequena empresa de e-commerce, para estimular, tanto a habilidade de diretor de arte publicitária do seu irmão – habilidade que o Guga não perdeu -, quanto a criatividade e a vontade de não ficar parado vendo o tempo passar.

Construímos este site – https://www.iluminadoonline.com.br , que também pode ser acessado por www.gugamarques.com.br - com os seguintes objetivos:

  • Comercializar peças criadas e finalizadas pelo Guga, permitido a sua reinclusão no mercado produtivo como designer, o que muito ajudará na sua recuperação cognitiva;
  • Abrir caminhos para a sua socialização com pessoas que, como ele, tiveram problemas que os inviabilizaram para o mercado de trabalho;
  • Dividir, com entidades que cuidam e ajudam pessoas acidentadas, parte dos resultados das vendas auferidas pelo Iluminadoonline e transmitir, para as suas famílias, nossas experiências no trato da reabilitação de acidentados;
  • Planejar, ajudar a viabilizar e/ou executar ações que permitam a pessoas acidentadas experimentarem emoções ligadas a esportes, tais como: organizar pequenos grupos para assistir a eventos esportivos; saltar de paraquedas em vôo duplo; passar alguns minutos nos túneis de vento do iFly, simulando saltos de paraquedas; além de outras ações semelhantes;
  • Transformar tais ações em notícia para divulga-las e atrair a atenção pública para tais grupos de pessoas.

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Desde o dia 16 de maio de 2012, venho registrando o desenrolar do que aconteceu com ele, comigo, e com nossa família, até os dias atuais.

Estou transformando tais anotações em contos, crônicas, registros da realidade que vimos passando desde então, quando nossas vidas deram um “salto triplo carpado” e nos devolveram ao chão vivos, mas um tanto quanto mais doloridos e experientes.

Tenho um arquivo de memórias: registros das coisas que aconteceram em Sacramento, anotações sobre minhas relações de antes e após 2012, com meus filhos e outros familiares, fotos, vídeos, entre outras lembranças. Enfim, material suficiente para servir de base para a montagem de muitas histórias, que não serão – digo antecipadamente – de sofrência ou de queixumes, porque isto seria mentir sobre a vida plena de boas notícias que vivemos.

Será um relato que tem de ser muito parecido com o que o Guga dizia encontrar cada vez que saltava: “uma verdadeira ejaculação, em uns poucos segundos de intenso orgasmo, precedido de medo, insegurança e dúvidas. Exatamente como acontece num coito efêmero, trivial e custoso” frase que ele me repetia muito quando eu dizia que 10 anos de saltos já era “bastante pro suficiente”.

Escreverei sempre na primeira pessoa, mesmo quando estiver contando uma história que me foi relatada por alguém. No início de cada conto, vou indicar quem é o narrador.

E o primeiro texto – que já se encontra no blog desde o mês passado – é um “relato” descritivo do salto 588 que o Guga não me contou, porque, como disse anteriormente,  uma das sequelas do acidente foi uma grande amnésia, onde os seus últimos 20 anos deixaram de existir.

Vamos começar.

LAM

 

[1] O dia D (salto 588) foi 14/05/2012. A data em que este texto foi escrito: 14/05/2018, ou seja: dia D + 2.191 dias.

 

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Queridos filhos, parentes e amigos

 

Há alguns dias, buscando um novo profissional para o Guga, tivemos uma consulta com um neurologista que me pareceu tecnicamente muito bom, mas um tanto quanto ríspido. Daquele tipo de médico “pouco humano”, sabem como é, né?

De cara ele disse que não sabia se o Guga poderia ser seu paciente, porque precisaria, primeiro, receber um laudo da dr.ª que o acompanha hoje com uma boa quantidade de exames. Enquanto falava, comandava o seu computador para emitir as solicitações e fazendo novas perguntas, para saber, sobretudo, o que esperávamos dele.

No segundo terço do bate-papo eu já sabia que ele não poderia vir a atender ao Guga, porque os seus santos não jogavam no mesmo time que os nossos (meus, principalmente). Ele é muito cáustico!

Já estávamos saindo quando, olhando diretamente para mim perguntou: “quantos anos você tem?”. Quando respondi, emendou outra pergunta: “e você já se preparou pra pular fora?”

A ficha caiu rapidamente e entendi o que ele queria saber. Respondi com a única verdade que eu tinha: “não”.

Na sequência, ouvi dele muitas palavras, todas elas minhas velhas conhecidas: “é sua obrigação; o que acha que vai acontecer quando você desaparecer; precisa cuidar disto com urgência...”.

A partir daquele dia este assunto, que já permeia a minha consciência desde os idos de maio de 2012, subiu para o primeiro plano e passou a ser o ator principal de todos os sonhos e pesadelos.

Pois bem: para tocar o processo de “preparar o Guga para o inevitável” – que, espero, demore muito a chegar – decidi reestabelecer meus contatos com todos vocês, pois nós dois estamos muito isolados.

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Com o objetivo final de publicar a minha experiência de convivência com o “Guga do após-acidente”, venho fazendo anotações quase que diárias, para transforma-las em textos publicáveis. Já tenho muito material pronto e, para isto, precisava de uma área na web para fazer coloca-los.  É este o objetivo deste blog que, a partir de agora, estará recebendo notícias semanais.

 

Abraços.

 

LAM

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 14 de maio de 2019

O Salto
Guga by LAM
Dia D – 14/05/12

Mesmo que fosse a milésima vez, aquela aventura sempre haveria de me provocar um grande frio na barriga, uma sensação mista de medo com cólica intestinal iminente, que sempre fazia me perguntar se a vez anterior não deveria ter sido a última. A reboque, um sentimento de orgulho, pelo fato de ter superado estes medos tantas vezes, tão logo sentia o vento frio no rosto, misturado com o calor abrasante do sol e perceber a adrenalina correndo livremente na minha corrente sanguínea.
Sentado ali, naquele chão quente e trepidante, ouvidos ocupados pelo som ensurdecedor dos dois potentes motores que roncavam em uníssono e das conversas alheias que não conseguia ouvir - apesar de gritadas. Encostado a uma parede de lata, ombro-a-ombro com dois companheiros desconhecidos naquela nova aventura, pernas dobradas para permitir que todos nós, os quinze ocupantes, coubessem naquele pequeno e sacolejante ambiente, pensava nos movimentos que havia programado executar naquele dia. Seria uma série head down, seguida de alguns seat fly, repetidos até que o equipamento de segurança avisasse que eu havia chegado ao limite.
Eu seria o nono a sair, logo depois da Sol[1], com quem combinei fazer uma espécie de “pas de deu”, um balé durante a fase free.
Lembrei, de repente, que estava muito longe de casa. Poderia ter ligado, pelo menos para dizer que havia chegado bem, mas nem isso eu fiz. E, também, ligar para quem e para dizer o quê? 
Apesar de me sentir bem perto da nova namorada não estava confortável com o relacionamento que já estava parecendo um novo casamento. Não me sentia pronto para pensar em coisas sérias! Quero “ficar”, sair, encontrar amigos, ser livre, pelo menos até sentir falta de ter uma casa para dividir outra vez.
E depois tinha aquela história de Curitiba: agora tenho um filho que não queria e não podia ter. Merda de pressão para mudar para lá! Fui pego no contrapé e me sinto verdadeiramente traído. Dei uma de ingênuo, fui um verdadeiro babaca. E esta é uma história que ainda não abri para o meu pai. Como será que ele vai reagir? Provavelmente terá o mesmo comportamento que a minha mãe e eu vou ter que passar pelo mesmo perrengue outra vez. Puta que pariu!
Bom: vou deixar para pensar nisso depois. Ainda bem que a história daqui está apenas começando e este momento será apenas a segunda vez de um total de 50. Acho que estamos chegando. 
Luz verde piscando. O pessoal que estava sentado perto da porta começa a se movimentar. O Alex desapareceu, seguido de mais três, que desaparecem de uma só vez... e a fila vai rapidamente sumindo da minha vista.
Levanto e procuro a Sol, que já estava de olhos fixos em mim e me faz um rápido aceno – ela já perto da porta. Quando a alcanço, percebo o seu sorriso excitado me tocando através da viseira do capacete. Estendo o braço esquerdo para segurar a sua mão direita, olhamos rapidamente para a porta confirmando que a saída estava disponível e nos lançamos no vazio, mãos dadas, olhos nos olhos.
- Quais eram os meus sentimentos naquele momento? 
O que aconteceu até então – viagem para São Paulo, hospedagem na casa do Biruta[2], traslado até Guarulhos, embarque na TAM para a Cidade do México, meio dia e uma noite naquela fornalha desorganizada e cheia de gente, novo embarque, desta vez para San Francisco, pegar o carro na locadora logo ao chegar no aeroporto, quase 2 horas até Lodi, uma cama muito usada num motel chinfrim – tudo muito trabalhoso, mas justificado pelo ineditismo, pelo eterno gosto por aventura e, principalmente, pelos poucos segundos de emoção compartilhada com aquela linda mulher.  Sentia-me livre, leve e solto.
Quando começamos a cair, a Sol se desprendeu de mim. Voltei a minha atenção para a queda livre que já se pronunciava. Vi que todos os outros amigos estavam distantes. Eu estava sozinho, ocupando o espaço e ocupado com o infinito.
Em um rápido olhar identifiquei o local onde iria parar: tinha que me concentrar no local onde iria pousar pois sabia que já me aproximava do ponto mais perigoso da minha aventura. O equipamento de segurança soou forte no meu ouvido e puxei os cabos para a redução da velocidade.
Senti o forte empuxo da freada brusca e o corpo balançou com violência para a frente e para trás, umas três vezes, para então estabilizar. Observei o ambiente e vi que já estava perto, precisando iniciar os procedimentos de frenagem.
Fiz uma suave curva para a direita, chegando perto da rodovia, já fora da área de pouso. Nova curva para a esquerda, uma reta comprida até o final da área central. Fiz, então, uma nova conversão à esquerda, forçando a aproximação, com o corpo preparado para tocar o solo.  Foi quando fui obrigado a fechar os olhos.
Quando consegui registrar o que estava à minha volta era o dia 2 de agosto de 2012: havia acabado de chegar naquela que passaria a ser a minha nova casa em Brasília. Fechei os olhos em Lodi e os abri em Brasília. Num simples piscar de olhos haviam-se passado 80 dias. Por algum motivo do qual não tinha nenhuma noção, morri e ressuscitei.


[1]Solange Majoros Rodrigues, conhecida como Sol Majoros, é uma atleta altamente conhecida e referenciada no ambiente esportivo do Brasil. Esposa do Alex Aldemann, que coordenou o evento em Lodi.
[2]Marcos Teixeira, também conhecido como Marcos Cabelo (é totalmente careca) e/ou Biruta (pela sua associação com aviação e paraquedismo) conheceu o Guga Marques quando este morava em São Paulo e começaram a frequentar juntos ambientes de paraquedistas, principalmente em Boituva. Se diziam “irmãos de coração”, expressão que foi plenamente justificada posteriormente