terça-feira, 14 de maio de 2019

O Salto
Guga by LAM
Dia D – 14/05/12

Mesmo que fosse a milésima vez, aquela aventura sempre haveria de me provocar um grande frio na barriga, uma sensação mista de medo com cólica intestinal iminente, que sempre fazia me perguntar se a vez anterior não deveria ter sido a última. A reboque, um sentimento de orgulho, pelo fato de ter superado estes medos tantas vezes, tão logo sentia o vento frio no rosto, misturado com o calor abrasante do sol e perceber a adrenalina correndo livremente na minha corrente sanguínea.
Sentado ali, naquele chão quente e trepidante, ouvidos ocupados pelo som ensurdecedor dos dois potentes motores que roncavam em uníssono e das conversas alheias que não conseguia ouvir - apesar de gritadas. Encostado a uma parede de lata, ombro-a-ombro com dois companheiros desconhecidos naquela nova aventura, pernas dobradas para permitir que todos nós, os quinze ocupantes, coubessem naquele pequeno e sacolejante ambiente, pensava nos movimentos que havia programado executar naquele dia. Seria uma série head down, seguida de alguns seat fly, repetidos até que o equipamento de segurança avisasse que eu havia chegado ao limite.
Eu seria o nono a sair, logo depois da Sol[1], com quem combinei fazer uma espécie de “pas de deu”, um balé durante a fase free.
Lembrei, de repente, que estava muito longe de casa. Poderia ter ligado, pelo menos para dizer que havia chegado bem, mas nem isso eu fiz. E, também, ligar para quem e para dizer o quê? 
Apesar de me sentir bem perto da nova namorada não estava confortável com o relacionamento que já estava parecendo um novo casamento. Não me sentia pronto para pensar em coisas sérias! Quero “ficar”, sair, encontrar amigos, ser livre, pelo menos até sentir falta de ter uma casa para dividir outra vez.
E depois tinha aquela história de Curitiba: agora tenho um filho que não queria e não podia ter. Merda de pressão para mudar para lá! Fui pego no contrapé e me sinto verdadeiramente traído. Dei uma de ingênuo, fui um verdadeiro babaca. E esta é uma história que ainda não abri para o meu pai. Como será que ele vai reagir? Provavelmente terá o mesmo comportamento que a minha mãe e eu vou ter que passar pelo mesmo perrengue outra vez. Puta que pariu!
Bom: vou deixar para pensar nisso depois. Ainda bem que a história daqui está apenas começando e este momento será apenas a segunda vez de um total de 50. Acho que estamos chegando. 
Luz verde piscando. O pessoal que estava sentado perto da porta começa a se movimentar. O Alex desapareceu, seguido de mais três, que desaparecem de uma só vez... e a fila vai rapidamente sumindo da minha vista.
Levanto e procuro a Sol, que já estava de olhos fixos em mim e me faz um rápido aceno – ela já perto da porta. Quando a alcanço, percebo o seu sorriso excitado me tocando através da viseira do capacete. Estendo o braço esquerdo para segurar a sua mão direita, olhamos rapidamente para a porta confirmando que a saída estava disponível e nos lançamos no vazio, mãos dadas, olhos nos olhos.
- Quais eram os meus sentimentos naquele momento? 
O que aconteceu até então – viagem para São Paulo, hospedagem na casa do Biruta[2], traslado até Guarulhos, embarque na TAM para a Cidade do México, meio dia e uma noite naquela fornalha desorganizada e cheia de gente, novo embarque, desta vez para San Francisco, pegar o carro na locadora logo ao chegar no aeroporto, quase 2 horas até Lodi, uma cama muito usada num motel chinfrim – tudo muito trabalhoso, mas justificado pelo ineditismo, pelo eterno gosto por aventura e, principalmente, pelos poucos segundos de emoção compartilhada com aquela linda mulher.  Sentia-me livre, leve e solto.
Quando começamos a cair, a Sol se desprendeu de mim. Voltei a minha atenção para a queda livre que já se pronunciava. Vi que todos os outros amigos estavam distantes. Eu estava sozinho, ocupando o espaço e ocupado com o infinito.
Em um rápido olhar identifiquei o local onde iria parar: tinha que me concentrar no local onde iria pousar pois sabia que já me aproximava do ponto mais perigoso da minha aventura. O equipamento de segurança soou forte no meu ouvido e puxei os cabos para a redução da velocidade.
Senti o forte empuxo da freada brusca e o corpo balançou com violência para a frente e para trás, umas três vezes, para então estabilizar. Observei o ambiente e vi que já estava perto, precisando iniciar os procedimentos de frenagem.
Fiz uma suave curva para a direita, chegando perto da rodovia, já fora da área de pouso. Nova curva para a esquerda, uma reta comprida até o final da área central. Fiz, então, uma nova conversão à esquerda, forçando a aproximação, com o corpo preparado para tocar o solo.  Foi quando fui obrigado a fechar os olhos.
Quando consegui registrar o que estava à minha volta era o dia 2 de agosto de 2012: havia acabado de chegar naquela que passaria a ser a minha nova casa em Brasília. Fechei os olhos em Lodi e os abri em Brasília. Num simples piscar de olhos haviam-se passado 80 dias. Por algum motivo do qual não tinha nenhuma noção, morri e ressuscitei.


[1]Solange Majoros Rodrigues, conhecida como Sol Majoros, é uma atleta altamente conhecida e referenciada no ambiente esportivo do Brasil. Esposa do Alex Aldemann, que coordenou o evento em Lodi.
[2]Marcos Teixeira, também conhecido como Marcos Cabelo (é totalmente careca) e/ou Biruta (pela sua associação com aviação e paraquedismo) conheceu o Guga Marques quando este morava em São Paulo e começaram a frequentar juntos ambientes de paraquedistas, principalmente em Boituva. Se diziam “irmãos de coração”, expressão que foi plenamente justificada posteriormente